A juventude de Edson Dantas na vida de Afrânio Vital:

"(...) Ia ao cinema diariamente e conheci nesta época, anos 60, o Edson Dantas, um pintor que depois se tornaria muito famoso no Bairro de Santa Teresa no Rio, e morava em Madureira. Junto com o Carlos Lima, poeta e hoje professor da UERJ, víamos todos os tipos de filmes. Com o tempo a coisa foi ficando séria. Começamos a perseguir a obra de diretor por diretor: John Houston, Fellini, Howard Hawks... Vimos “Hatari” dezenas de vezes e começamos a frequentar a Cinemateca do Museu de Arte Moderna, onde fazíamos cursos rápidos de cinema e ficávamos admirando as garotas da Zona Sul. Não comíamos ninguém, a não ser na imaginação fílmica. E fazíamos todos os cursos gratuitos de cinema. Teve um muito bom, com o crítico Ronald Monteiro, no Museu de Belas Artes, do qual me recordo até hoje. Apanhávamos o trem em Madureira e íamos para o centro da cidade. Andava a pé da Central até o Aterro do Flamengo, uma distância muito grande, para as sessões da Cinemateca, para ver Murnau, Sternberg, Stroheim e Buñuel. E na volta às vezes chovia, as janelas quebradas do trem obrigavam a gente a ficar encolhido num canto em meio a chuva e ao frio. Teve uma vez que fomos em Paracambi, última estação do trem na época, em busca de um filme do Jerry Lewis que não havíamos visto. Era “O Fofoqueiro”. Quando fomos voltar é que percebemos que aquela era a última sessão e não tinha mais nenhum trem! Lembro muito das sessões de expressionismo alemão, os filmes mudos... aquele silêncio na sala... o Golem se aproximando em meio a bruma expressionista... de repente... nosso estômago roncava de fome e provocava risos nas plateias das pequenas salas de exibição onde o mínimo ruído se escutava. E na noite em que fomos ver “O Fofoqueiro”, dormimos na estação, foi uma noite inesquecível. No meio do vento e da poeira passamos a noite discutindo e dissecando a imensa maravilhosa e surrealista ironia do perverso polimorfo Jerry Lewis para com os ícones americanos no filme, tais como Sinatra, os gângsters e as grandes lojas e magazines. De madrugada chegamos à conclusão de que a obra de Lewis era maior que a de Chaplin, pois era mais cruel, mais devastadora, mais surreal e dadaísta. Menos humanista, comercializante e piegas. Como leitura a gente só tinha alguns livros: o do Glauber, “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro”, e algumas bíblias de cinema, os livros pequenos, do Pudovkin e Eisenstein. A gente vivia sem dinheiro para nada, pedíamos dinheiro até na rua para condução, muitas vezes. Então o Edson começou a pintar profissionalmente e fizemos junto com o Carlos Lima uma exposição de quadros surrealistas de pintores suburbanos, no Floresta Country Clube, Jacarepaguá. Isso em 1968. Depois nos juntamos a grupos de cineclubes da época, abríamos os cineclubes no subúrbio e passávamos um Godard, um Fellini, Visconti Antonioni etc. Não havia o videocassete e eu vinha no Centro alugar os 16 mm, carregava projetores nas costas, emprestados de colégios e igrejas. Arranjei um emprego de office-boy no Banco Lowndes e aí já tinha dinheiro para condução de ida e volta e para o cinema, para ver mais filmes. Foi aí que o Edson, com uma câmera velha emprestada e filmes 16 mm de várias emulsões, fez o primeiro filme para o Festival do Cinema Amador JB/Mesbla, ainda em 68. Era um filme mudo e surrealista chamado “Nada” e eu era o assistente dele. No ambiente do Festival conhecemos muita gente, como o Nelson Hoineff, o Antônio Calmon, o Walter Carvalho, que estava chegando no Rio e queria fazer desenho industrial. Fiz um primeiro curta, também mudo e em 16 mm, que se chamava “Western Trick”, uma montagem em cima de cenas de um velho western, comprado na Mesbla. Intercalava a velocidade do western com umas cenas meio antonionescas filmadas no Museu de Arte Moderna, tendo como atriz a Valquíria Salvá, esposa do Alberto Salvá, que conheci no Grupo Câmera e gentilmente aceitou meu convite para participar como atriz nas cenas externas." Entrevista realizada em março de 2006 para o blog Estranho Encontro (http://estranhoencontro.blogspot.com.br/2006/03/biografia-entrevista-afrnio-vital.html) Afrânio Vital é cineasta, professor de filosofia e bacharel em Comunicação Social.

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