Depoimento de Julio Cesar Machado


Existiriam outros artistas que se recusaram a aceitar o crepúsculo do simbolismo e, certamente como último mensageiros desse mundo moribundo, alicerçaram suas obras no sentido de resguardar o universo em que todos os grandes sonhadores habitaram.
Um desses artistas é, sem dúvida, Edson Dantas, escultor, pintor e desenhista, uma das mais interessantes criações da cultura brasileira.
Um artista, ser etéreo, quase monge, numa busca existencial e numa total liberdade criativa, sem fronteiras e nenhum compromisso com a contemporaneidade.
No Brasil, além de todos, ele compreendeu o cansaço da modernidade.
na realidade, os grandes sonhadores tiveram influência sobre ele e dessa forma, conforme foi aprofundando seu saber, o mundo onírico passou a ser também o seu. Essa opção não foi puramente estética. Mais do que isso, foi uma conduta filosófica, pois ele percebeu o perigo da morte dos grandes sonhos e com isto tornou-se um herdeiro desse mundo que quase desapareceu.
Suas obras são de um intenso misticismo e espiritualismo, tem para ele um sentido especial.
Religiosamente cético, ateu, absolutamente descrente, a sua obra é pura invocação onírica, talvez seja o mais místico dos pintores brasileiros.



Tu és o louco da imortal loucura, o louco da loucura mais suprema. A terra é sempre a tua negra algema, prende-te nela a extrema desventura. Mas essa mesma algema de amargura, mas essa mesma desventura extrema faz que tua alma suplicando, gema e rebente em estrelas de ternura.
Tu és o poeta, a Assinalado, que povoas o mundo despovoado de belezas eternas, pouco a pouco.
Na natureza prodigiosa e rica, toda a audácia dos nervos justifica os teus espasmos imortais de louco!

Cruz e Souza, poeta.


(extraído da peça teatral Edson Dantas: O Anjo Terrível, escrita por Lula Dias - Folião e diretor do bloco carnavalesco “Largo do Machado, mas não Largo do Copo”, compositor, cineasta, ator e autor de teatro, poeta, escritor... e irmão de Edson Dantas)

Edson Dantas, por Alexei Bueno de 2004

Foste destro na arte, não no mundo
O que pode ela dar, que i outro recusa?
Não vives. Não morreste. És sombra escusa
Nos becos onde o sono é mais profundo.

Por teu perfil de eleito e vagabundo
Procuramos em vão à luz difusa
Dos postes, nas ladeiras, na confusa.

Em outro se desmente, mas sonhaste
Com o Walhalla¹, com os deuses, com a poesia,
A esbarrar, copo à mão, em cada traste.

Em qual ano estarás? Que é da alegria
De sabê-lo? Hoje a vida é o louco engaste
Da gama extraviada do teu dia.


(¹templo de Walhalla na Baviera, tendo como modelo o Partenon em Atenas. Na mitologia nórdica também é o lugar onde iam, após a vida, os guerreiros vikings mais corajosos e vitoriosos)